Bens e escravos. As palavras do caderno de couro apareceram na minha cabeça. A gente era como o espelho de moldura dourada e a sela do cavalo. Não pessoas de verdade. Não acreditava nisso, nunca acreditei um dia de minha vida, mas se você escuta os brancos por muito tempo, uma parte triste e derrotada de você começa a acreditar. Todo o orgulho por causa de nosso valor me deixou. Pela primeira vez, senti dor e vergonha por ser quem eu sou.
Depois de algum tempo, desci pro porão. Quando mamã viu meus olhos vermelhos, ela disse: “Ninguém pode escrevê num livro o quanto ocê vale”.
Enquanto a presença de peso de Sarah intriga, Encrenca brilha. A junção das duas monta o quebra-cabeças responsável pelo resultado final. Ao menos durante a leitura, as lutas, as conquistas são nossas também. Mesmo quando estamos mergulhados na mentalidade da época, nota-se que ambas não só podem como devem ser percebidas como de igual valor tanto enquanto seres humanos quanto enquanto narradoras-personagem.
Ela estava presa como eu, mas presa por sua mente, pela mente das pessoas em volta dela, não pela lei. Na Igreja Africana, sr. Vesey dizia: “Cuidado, você pode ser escravizado duas vezes, uma vez pelo corpo e uma vez pela mente.”
Tentei dizer isso a ela. Falei: “Meu corpo pode ser escravo, mas não minha mente. Pra você, é o contrário”.
A verdade é que os períodos obscuros da saga da humanidade fazem parte da nossa história pessoal. É um terrível engano acreditar no contrário. Tempos nos quais mulheres nasciam e eram criadas para pertencer a um marido sem perspectiva diferente de futuro e escravos não eram pessoas de verdade? Bem, olhe os tons diferentes do mesmo pensamento ao redor. “A invenção das asas” nos faz lembrar. Sue nos faz sentir isso.
O que eu temia era a imensidão disso tudo — uma agente da abolição viajando pelo país com um mandado nacional. Eu queria dizer, quem sou eu para fazer isso, uma mulher? Mas a voz não era minha. Era de papai. De Thomas. Pertencia a Israel, Catherine e mamãe. Pertencia à igreja em Charleston e aos quacres na Filadélfia. Não pertencia, se eu pudesse escolher, a mim.
2 Comments
Rafaela.
28 de fevereiro de 2014 at 13:36Que dica super bem-vinda, Kim. 🙂
Eu gosto tanto de leitura fortes e impactantes, sinto que também irei adorar esse livro.
Li há alguns meses atrás um livro que abordava superficialmente essa mesma questão, então fiquei ainda mais empolgada para ler Invenção das Asas.
Bela resenha, querida!
Beijocas.
http://artesaliteraria.blogspot.com.br
juliano cesar de oliveira
13 de junho de 2014 at 23:26Ótimo texto de resenha. Meus parabéns! Amei a maneira que vc usou para se expressar, me fez se interessar pelo livro….mas vc já leu o livro reverso… se trata de um livro arrebatador…ele coloca em cheque os maiores dogmas religiosos de todos os tempos…..e ainda inverte de forma brutal as teorias cientificas usando dilemas fantásticos; Além de revelar verdades sobre Jesus jamais mencionados na história…..acesse o link da livraria cultura…a capa do livro é linda ela traz o universo como tema.
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=78725243